Diante de recentes esforços, ainda que insuficientes, por parte do governo para incrementar o investimento público em educação, mais do que dobrando o gasto real por aluno nos últimos dez anos, uma série de questionamentos e debates foram iniciados a fim de se discutir o modelo apropriado para ser adotado nas escolas brasileiras. Há de serem debatidas todas propostas, principalmente as de conservadores e liberais, que, ao passo que ganham voz, começam a defender uma mudança diametral nesse setor, para seguir em um sistema cada vez mais meritocrático, com amplas recompensas por resultados, tanto para os aluno quanto para professores e escolas.
Rodrigo Constantino, um dos principais articulistas desse segmento da sociedade, chegou a apresentar no seu blog e em palestras – uma no recente encontro do Instituto Liberal – sua defesa pela meritocracia, hoje, segundo ele, inexistente nas escolas, diminuindo o incentivo aos alunos de melhorar seus desempenhos. Para o economista, a falta de um modelo meritocrático na educação pública brasileira acarreta no “nivelamento por baixo”, exaltando a mediocridade nas mentes jovens e desestimulando o esforço pessoal e público para melhores resultados. As cotas raciais seriam o mais claro exemplo da falta de meritocracia na educação, que deveria ser totalmente abolida, segundo o pensamento.
Uma vertente dessa ideia consiste na adoção de um sistema de recompensas materiais para alunos de alto desempenho, como laptops e, no limite, até dinheiro vivo. Além disso, as escolas com estudantes melhor avaliados – no PISA, por exemplo – receberiam maiores recursos do Governo Federal, que poderia até dar vouchers (transferências para serem gastas em escolas privadas) como alternativa para as famílias. Assim, pela lógica, alunos e escolas começariam a competir entre si para obterem maiores ganhos, se esforçando cada vez mais e progressivamente elevando suas médias.
O modelo é sedutor por sua ideia baseada na competição para acabar com a mediocridade, nos estímulos materiais ao esforço individual, etc… Mas, como toda sociedade que se propõe a ser democrática, havemos de pensar se esse sistema seria efetivamente justo no caso brasileiro. Para um ensaio sobre o assunto, podem ser usadas como base as ideias de John Rawls, filósofo liberal, que escreveu “Uma Teoria de Justiça”.
Segundo o pensador, a meritocracia, ou seja, as recompensas desiguais, para obedecer de fato o princípio de justiça, deve então distribuir os ganhos conforme as virtudes individuais, não o desempenho. Isso se dá porque o resultado final de uma avaliação depende de uma série de fatores não necessariamente controláveis pelo indivíduo. Admitindo, por exemplo, que a virtude digna de mérito nas escolas seja o esforço pessoal, há uma numerosa gama de elementos na nossa sociedade que diferenciam o esforço necessário aos indivíduos e escolas para o alcance de um mesmo desempenho acadêmico.
A pobreza, por exemplo, transforma o conjunto familiar em um ambiente disfuncional ao aprendizado, segundo Sônia Rocha, pesquisadora do IPEA. Por fatores como insegurança alimentar, elevada variância de renda, maior ocorrência de conflitos violentos e inexistência de estímulos culturais, viver em uma família pobre exige da criança e do jovem um esforço individual muito maior para obter desempenho semelhante aos de seus pares mais abastados nas escolas. Rui-se, assim, a ideia de meritocracia por resultado, diante da exigência de diferentes esforços para um mesmo patamar na avaliação final.
Ser negro no Brasil é outro fator que pode comprometer o desempenho acadêmico. Segundo professor de antropologia da UFF, Julio Tavares, o negro é desumanizado sempre que se torna ameaça, presença desafiante ou alvo da frustração. Já para Jaime Pinsky, professor de História da Unicamp, o preconceito é uma forma consciente ou não de marginalizar o outro para ocupar melhor os espaços. Ou seja, em um ambiente competitivo, o racismo funciona como ferramenta de rebaixamento social do afrodescendente, para favorecer os caucasianos. A presença da discriminação e bullying por preconceito exigem, assim, de todos aqueles com pele escura, maior esforço para um resultado semelhante ao dos brancos nas escolas.
A própria localização dos estabelecimentos educacionais influi no desempenho dos alunos. Para provar tal afirmação, os economistas Rudi Rocha e Joana Monteiro realizaram um estudo econométrico em 2013, mostrando que escolas localizadas em regiões dominadas pelo tráfico de drogas tem resultados dos alunos piorados, principalmente em Matemática. Um dos fatores a atrapalhar o ensino parte das sucessivas ocorrências de tiroteio e outras violências nessas regiões, o que obriga as escolas a fecharem. Acaba-se por ser exigido maior esforço por parte dos professores, obrigados a ajustar a matéria dada em um calendário mais curto, e por parte dos alunos, que encaram diversas interrupções no processo educativo.
Conforme mostrado no texto, o modelo de meritocracia por desempenho para os alunos, professores e escolas, a ser defendido por conservadores e liberais, mesmo podendo melhorar efetivamente os resultados dos alunos em avaliações objetivas, acarretará em um ambiente educacional injusto e, provavelmente, tenderá a afastar ainda mais a base da pirâmide social do topo, com prováveis consequências negativas à mobilidade social.Uma vez admitido que a justiça é um ideal tão desejável em uma sociedade democrática quanto o resultado, é preciso ser novamente pensado o sistema de recompensas a ser adotado nas escolas, ao menos enquanto o Brasil registrar tal elevado nível de desigualdade social nas suas bases familiares.
*Daniel Vasconcellos Archer Duque é graduando em Ciências Econômicas pela UFRJ, membro do comitê de organização da Nova Organização Voluntária Estudantil (NOVE). Filiado ao Partido Verde, também colabora com outros sites e jornais.
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